Quem é que vai criticar essa dança?

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Editoria Ponto Digital

22.09.2019

Você lê crítica? E para onde a crítica olha? Para quais espetáculos? Porque as pessoas que escrevem crítica escolhem sempre as mesmas obras? Será sempre especializada e de linguagem inacessível? Tem a ver com falar “sobre” ou falar “com”? E com as redes sociais? Agora todo mundo é crítico? *

Victor Ferraz, que alimenta a página Dicas de Dança, acha que a publicação nas redes pode ser uma maneira de tensionar o espaço que a crítica da imprensa tradicional ocupa:

” Fui percebendo que eu fazia dessas minhas dicas uma grande brincadeira e que isso já era um pouco como fazer uma crítica, porque como eu tinha a liberdade de poder entrevistar os artistas e fazer as perguntas que eu quisesse pra eles, percebi que tudo que eu achasse que não estava contemplado nos outros veículos, eu poderia de alguma maneira tensionar esse lugar. Porque uma das questões pra mim é: por que as informações chegam apenas em algumas pessoas , quais são os veículos que criticam dança?”

Victor Ferraz

Bom, a revista Antro Positivo critica dança. E um de seus criadores, o jornalista Ruy Filho, coloca o papel da crítica em um lugar muito interessante: o de fixar a dança em um novo suporte, ao transformar o que era corpo em palavras, que não existiam na obra cênica. Isso porque as palavras na dança, quando presentes, existem sempre pra acompanhar um movimento. Elas nunca aparecem soltas no ar.

“A crítica pode sempre ter como parâmetro um pensamento europeu ocidental branco e não cabe muito mais nas discussões que cercam todo o ambiente da produção cultural. E é essa relação que exige da gente um reinventar-se constante, um descobrir-se constante, para tornar a escrita um processo de aproximação e de percepção do outro, menos do que um processo de avaliação ou de validação”, explica Ruy.

” Por muito tempo a gente passou a acreditar que crítica tinha que ter uma neutralidade. Hoje, ao meu ver, a crítica precisa dessa pessoalidade e dessa emotividade. Porque faz diferença não quem escreve, mas quem se coloca em contato com aquilo que escreve.”

Ruy Filho

“É complexo falar porque muitas coisas do que a gente tenta escrever – sobre dança principalmente até mais do que teatro – partem do princípio da palavra não-presente. E transformar em palavra aquilo que se escolheu ser corpo é quase que mistificar de novo aquele corpo sobre um outro suporte.”

Ruy Filho.

 A crítica alimenta o estrelismo? E quem consegue uma crítica no jornal?

” Às vezes pessoas que não tiveram espaço na crítica e que estão fazendo trabalhos muito interessantes, ficam anos, às vezes, patinando sem muita publicidade. Inclusive, hoje em dia editais pedem críticas do seu trabalho e você entra em desespero”, conta Daniela Álvares, que é bailarina e escritora.

“Eu nunca tive uma crítica sobre o meu trabalho. Daí eu falo: gente, eu não vou ser selecionada nunca porque meu trabalho não é reconhecido por esse espaço que se dá!”

Daniela Álvares.

E, diante dessa dificuldade de emplacar matérias na imprensa oficial, a Daniela surge com uma saída: os artistas se criticarem, num exercício de auto-observação de seus próprios trabalhos e da sociedade.

“Eu acho interessante haver mais espaços para os artistas desenvolverem exercícios de analisar obras cênicas e pensarem a cena. Não só deixar para o especialista.”

Daniela Álvares.

Eu acho que criticar a obra de outro artista pode ser um exercício interessante. Porque pensar a cena do outro é pensar a nossa cena, é pensar a sociedade. Então eu acho que é bacana a gente exercitar isso. Não só deixar no especialista.”

Daniela Álvares.

* As perguntas e depoimentos desse texto foram recolhidas durante o microsseminário Estado de Crítica, que aconteceu no dia 20/9 durante a Bienal Sesc de Dança 2019.


Captação dos depoimentos: Luciane Ramos-Silva, artista, pesquisadora, curadora das ações formativas.
Texto: Brenda Amaral, editora web do Sesc Bom Retiro.
Edição: Fernando Bisan, editor web do Sesc Campinas.

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